“(…) E Contudo não sei de criatura
Que mais deseje ter esta alegria
De um fruto azedo que arrancou doçura
Do céu, das pedras e da luz do dia”
Miguel Torga
SlightlyLefthanded
“Figuinho da capa rota
É tão pobre e tão rotinho,
Figuinho da capa rota
Foi rota devagarinho
Figuinho da capa rota,
Ai quem te quer almoçar
Figuinho da capa rota
Eu nem o posso provar…
Figuinho da capa rota,
Verde nos primeiros tempos
Veio o Sol e veio a Lua,
Vieram chuvas e ventos.
Figuinho da capa rota,
Que nasceu da mãe-figueira,
Teve sóis e teve luar,
Pássaros à sua beira.
Figuinho da capa rota
Bicado pelos passarinhos:
Figuinho da capa rota
Ninguém lhe põe remendinhos.
Figuinho da capa rota
Tornou-se da cor do mel.
O tempo veio rompê-lo,
Rasgou-se como papel…
Mas agora a mãe-figueira
Está com folhas e sem fruto,
Que o verde é sua maneira
Muito simples de pôr luto.”
Matilde Rosa Araújo, Livro da Tila
Em dias como este, as Senhoras da Av. de Roma agrupam-se para trocar notícias mais perto umas das outras do que é habitual. Sobem as golas dos casacos e soltam perfumes de naftalina entre as amigas.
Em dias como este, as Senhoras da Av. de Roma ocupam todas as mesas da parte de dentro dos cafés e lêem as revistas duma ponta à outra. Depois vão buscar o neto à escola, talvez mesmo dois ou três, com casaquinhos debaixo do braço “que a mamã não pensou que ia ficar tão desagradável”. Voltam à formação cerrada nos bancos do parque infantil.
As Senhoras da Av. de Roma demoram muito tempo a subir as escadas que os netos galgaram numa corrida e param de vez em quando para descansar sempre nos mesmos degraus. Perdem muito tempo a encontrar as chaves dentro da mala gorda e depois mais tempo para encontrar a chave certa no meio de tantas.
Para o lanche fazem chá para elas e leite com chocolate para os meninos. Os netos devoram as torradinhas com a manteiga mais saborosa que algum dia hão de provar mas, sabiamente, não tocam no sortido de bolachas que por ali anda desde o Natal. Cada vez há menos Senhoras destas na Av. de Roma e restante Lisboa. E eu acho que fazem falta.